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"Procuram-se Palavras" promove uma Revolução Poética Contra a Felicidade Fabricada

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    Admin
  • 15 de jul.
  • 4 min de leitura

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Numa era de hipercomunicação frenética, o musical 'Procuram-se Palavras' atuou como um espelho implacável, revelando fragilidades sociais que talvez nem soubéssemos possuir. A mais recente produção de teatro musical da Associação e do Conservatório de Música e Artes do Dão (AMAD e CMAD), desdobrou-se em cinco apresentações de 11 a 13 de julho, na Casa da Cultura de Santa Comba Dão. O espetáculo confrontou-nos com uma sociedade incapaz de formular pensamentos próprios e de expressar o que sente, num cenário onde a tecnologia domina tudo e todos. Porém, mesmo no meio deste contexto hipertecnológico, mostrou-nos que ainda há uma réstia de esperança para a humanidade.


‘Procuram-se palavras’ acontece num mundo não muito distante, onde as grandes empresas lucram com quimeras alegres: sorrisos feitos em Inteligência Artificial, torrentes de likes, e uma vasta rede de influencers, instagrammers e tiktokers, entre outras "entidades" desta nova era da comunicação. Um retrato de uma época em que, mesmo na solidão dos nossos lares, todos se julgam, criticam e ostracizam, enquanto exibem sorrisos falsos e sonhos fabricados em plataformas virtuais, frequentemente patrocinados por marcas de grande notoriedade. Este é um mundo onde a rede até pode falhar, mas é rapidamente restabelecida, pois o negócio da felicidade não pode cessar.


Neste mundo, já aqui ao lado, palavras "incómodas" como angústia, depressão, medo e dor são suprimidas, pois não se coadunam com a perfeição irreal que se pretende alcançar neste cluster de sorrisos tecnológicos. Ali, onde os ecrãs dominam a vida e as mãos já não sentem, um grupo de "misses influenciadoras" dita as últimas tendências, moldando gostos e rotinas de milhões de seguidores, alimentados por vídeos que geram "hypes" de satisfação.


Tal como na cidade do filme "Stepford Wives", há um rigor matemático nas rimas e coreografias destas influenciadoras perfeitas. Tudo é fabricado, dos gestos à roupa, passando pelas palavras felizes, pois qualquer falha no sistema conduz à perda de seguidores, de reconhecimento, de "espelho"...


Vive-se uma transação comercial de sorrisos, de alegrias breves e de fama efémera, da qual emerge um líder incontestado: Moran’Guito. E aquele que é o maior influenciador digital do mundo procura sobretudo e tão somente "guito". Rodeado de assessores e bajuladores, influencia e domina todas as redes de influenciadores existentes. Poderoso, Moran’Guito promove o seu lifestyle e aufere lucros avultados. Além de suprimir palavras que poderiam perturbar o seu negócio perfeito de alegrias efémeras, gere um nova e promissora empresa unicórnio de sonhos perfeitos. Afinal, é precisamente nos sonhos que os desvios ao padrão ocorrem: quando desprovidos de qualquer influência externa, somos "assaltados" por questões, dúvidas, anseios e medos que ameaçam este mundo artificialmente construído."


Através de um chip neurosensorial associado a uma “banal” aplicação é potenciado um ideal onírico. Ao comum dos mortais é oferecido um catálogo de sonhos, com temáticas que vão do romance à aventura, qual blockbuster, onde até o drama ou as dúvidas existenciais adquirem uma dimensão hollywoodesca.


Neste "Dream World" onde a perfeição é a moeda e os sonhos são encomendados via app, as misses influenciadoras, moldadas por Moran’Guito, parecem encontrar a felicidade ideal. Mas, no meio de tanta uniformidade, uma voz destaca-se: Fabi mais conhecida como Miss #F. Ela não se conforma e é uma pedra no sapato desta realidade fabricada.


Miss #F é assaltada por memórias de um tempo em que havia livros e a vida não era refém de ecrãs, um tempo em que as palavras – mesmo as "proibidas" como medo, angústia ou perda – eram matéria prima para a construção da amizade genuína com Miss #M, que desapareceu desta sociedade de hipercomunicação sem que ninguém mais a visse.


Ao recusar o chip da felicidade onírica, Miss #F abre portas para sonhos diferentes, sonhos que a ligam a uma rede de hackers poéticos e a conduzem aos braços da amiga perdida. Esta rede é parte de um movimento que revoluciona o sistema a partir do interior, semeando palavras ‘proibidas’ em código binário, para despertar a nossa essência humana. E semente a semente, a liberdade do pensamento e o livre arbítrio começam a ganhar terreno e a reverter este "Dream World", onde as árvores foram substituídas por routers e antenas, onde as casas inteligentes ditam uma existência programada e onde até palavras – aparentemente inofensivas - como reunião, biblioteca e resiliente são banidas.


Mas, desta história de clones perfeitos e sorrisos botulínicos, emergem momentos profundamente reais que tocam a nossa humanidade. Um deles traz-nos a personagem de um velho alfarrabista– agora cego – que conhece de cor todas as páginas dos livros que vende e que, num momento de acalmia da tempestade tecnológica, entrega poesia feita de palavras proibidas.


Momentos crus e impactantes, como o testemunho de Artem, jovem de origem ucraniana que, na primeira pessoa, relata o drama de um refugiado que foge da guerra.


Dramas reais que surgem como um murro de realidade, resgatando-nos e dando-nos a mão para erguermos de novo os olhos do ecrã e encararmos de frente aquilo que realmente interessa: o outro, a amizade.


Artem partilha, de forma sentida, que foi a amizade de toda uma comunidade que o ajudou a ultrapassar barreiras e a integrar-se. Prestou ainda uma homenagem à atriz Francisca Cardoso, conhecida como "Kika" – o Moran’Guito deste “Procuram-se Palavras” – que o fez sentir-se, desde logo integrado. Artem deixou na Ucrânia família, amigos, tudo o que lhe era próximo. "Deixei lá tudo, menos as palavras", garante, numa comovente mensagem de esperança.


"Procuram-se Palavras", com composição e direção musical de Artur Guimarães, foi o culminar de uma residência artística que envolveu dezenas de jovens de vários concelhos da região. O texto, frenético e movido à velocidade da fibra, da autoria de Ana Lázaro, foi alicerçado nas vivências dos


próprios alunos. A encenação ficou a cargo de Rafael Barreto, a coreografia de Catarina Alves e a cenografia de Carlos Neves. Joana Machado assinou os figurinos e Filipa Cunha o design / ilustração


E os temas cantados e dançados pelos jovens participantes resgataram palavras de artistas como António Variações, Imagine Dragons, Christina Aguilera, Lil' Kim, Mýa e Pink (que cantaram Lady Marmelade em Moulin Rouge), entre tantos outros. 'Procuram-se Palavras' integra a agenda da Casa da Cultura 2024-2027 | Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, promovido pelo Município de Santa Comba Dão em parceria com o CMAD.



 
 
 

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